segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Ficção III

“Estou sendo deixado?” pergunto com um tom arrogante como se fosse uma maleta prestes à explodir num canto do aeroporto. E ele responde que com os olhos tímidos que não, que me irá abraçar e esperar o melhor para nós dois.

    “Eu vejo você em mim, talvez sejamos parte de um mesmo explosivo, não sei”. Trata-se de uma suposição, mas me contenta como resposta. Talvez afinal não sejamos assassinos um do outro, talvez sejamos algozes, em sociedade, da explosão, do caos eminente, dessa hecatombe devir. Não nos apartamos porque não seria nada saudável nos sentarmos no canto do aeroporto, na composição lotada do trem, na praça pública.

    Assim, construo um lar para nós dois, com o que lhe posso oferecer, com meu sustento. Por vezes tenho a desconfortável sensação que lhe tenho de afagar e entreter como um bufão para que não principie ou permita que seu timer seja desligado. “Estar prestes, não significa estar quase” lhe digo “estar quase não significa ter sido detonado”, pois a lógica dos explosivos não é a mesma do mundo.

    Conto-lhe parábolas dos nossos semelhantes como aquelas cestas de Argel carregadas por enzimas inocentes e frágeis. Era preciso furar o bloqueio do exército francês cumprir o trajeto na euforia dos pied noir igualmente inocentes e eufóricos para dar nos cafés, nos pontos de ônibus. “Nós ainda nos estamos conhecendo”, lhe peço, imitando seus olhos tímidos para não intimidar.

    Daí, furamos o bloqueio das portas de casa e esperamos a condução no ponto sem nos sentarmos no banquinho para não dar pinta de ilícitos. Assim como no ônibus quase vazio permanecemos de pé, colados um no outro, a deixar nosso enredo misturar-se à fala dos outros poucos passageiros que jamais se furtam de embarcar e desembarcar à nosso despeito.

    A cidade tampouco se esquiva de ir se transformando de bairro em bairro, de Jardim Botânico em Botafogo e depois em Copacabana e depois em Ipanema. Tal que ele me dá uma orquídea, um insulto, se aproveita de mim e, em seguida, me leva ao Posto 9, seguindo essa seqüência. Posso prever a sua reação quando andarmos até o Leblon, mas já não temos tempo para aparências ou superficialidades. “Vai ser aqui mesmo, ao ar livre, no meio da juventude, nessa gente que daqui a pouco vai aplaudir o sol se pôr detrás da silhueta daquela favela”.

    Abraço-me a ele. “O quão alto posso voar?” repito a pergunta de quando nos conhecemos e ele apenas deu de ombros. Pisca o olho pra mim, olha ao redor e, tum!

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Ficção II

Ela pisa com passos firmes pela cidade. Está de preto, toda de preto, tal que não há leitura para o que é calça, o que é blusa, o que é calçado. O cabelo é preto ou vermelho, forte, a pele é branca. Tem cara de aparição, de demônio, de anjo. Pisa com passos firmes, com determinação.

A cidade é colorida à seu modo, são roupas, outdoors, é churume. O barulho é intenso, mas ela, a mulher de negro, não produz nenhum.

Chega em casa. Numa sala pontiaguda, um bebê está sentado no chão, distraído por um trigrezinho de pelúcia, e uma velha ronca na cadeira de balanço. “Mamã, mamã” ele balbucia. Ela tem um olhar trágico, mas que não é expressão ou lágrima. É característica física. Segue para o seu quarto e o bebê lhe estende a mão como quisesse toca-la.

Senta na penteadeira, retoca a maquiagem. Dá tons mais fortes ao batom, enrubesce o rosto de blush, enegrece as linhas dos olhos com lápis.

O bebê engatinha pelo corredor do apartamento precariamente carregando o tigre em uma das mãos, mas com obstinação. “Mamã, mamã”.

E mamã está se pondo bonita no quarto, vestindo um chapéu de flores puídas desses que se vê nos brechós. É rosto e chapéu, pois o corpo ainda está coberto de negro. Levanta a sobrancelha esquerda e seu rosto em pedra imediatamente desmancha, deforma. Envolve uma alpaca violeta no pescoço ao ouvir “Mamã, mamã” já na entrada do quarto.

Lança um olhar rápido e no mesmo brusco se levanta, fecha a porta, fazendo com que o bebê retroceda e sente meio atrapalhado, meio espantado, com o tigre no colo.

Ela envolve uma saia de tule por cima do brim, levanta a blusa deixando à mostra o branco do ventre. Toca o telefone, uma buzina, a campainha e nada, mas nada faz parar o ritual em curso. Descalça e pinta as unhas dos pés.

“Ma-mã!” o bebê vai falando lentamente. “Ma-mã”. Joga-se pra frente e dá na porta com a mão três vezes. Retrocede. “Ma-mã”.

Ela se levanta, vai até a vitrola do quarto. Um allegro. Primeira nota, segunda nota – ela conta nos dedos. E depois os seguintes passos contam a terceira e a quarta e a quinta.

“Ma-mã... Ma-mã... Ma-mã...” até que é interrompido pelo abrir das portas e vê que sua mã já não é sua mã. Ela se curva até o chão em quase malabarismo, como mostrasse a mistura do chapéu à altura da criança, e no passo da música se movimenta em dança, espasmo ou loucura – se é que seus movimentos não os tivessem misturado.

O bebê está perplexo, mas a observa evoluir com atenção. Um pulinho, um grito, uma reverência. Ele senta o tigrezinho de pelúcia na cabeça e a reverencia de volta. Eles se entreolham – não é sua mã, não é seu filho. Aproximam-se sem fugir do olhar em hipnose. Não há mais buzina nem telefone nem campainha. Há a música num momento de sobriedade e mistério.

Quando pouco mais de um palmo os separa, ele leva os dedos aos lábios dela, sem tirar o tigrezinho do cocuruto. Passa os dedos lentamente como percebesse a grossa textura do batom. Ela morde os lábios pintando o dente e ele leva os dedos vermelhíssimos ao rosto riscando o canto dos olhos com estivesse se maquiando.

A mulher ascende, percorrendo o drama das notas que já vão descendo lentamente, gordurosas e cálidas.

Terminada a música, vem o aplauso. De susto o bebê se agita quase se fundindo ao coro das palmas, com seus olhos mais parecendo duas pequenas aranhas rubras, brilhando! E ela abre os braços e com a ponta dos dedos, sem perder a postura, fecha a porta. 

Quando saca o chapéu da cabeça, ouve seu filho balbuciar lá de fora.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Ficção

Ele teve, de repente, que parar diante de você, página em branco. Sentou-se, sentiu medo e, ao esquivar-se, sentiu como estivesse fugindo. Já havia fugido do destino algumas vezes, mas também já o havia abraçado e nesses momentos foi quando esteve mais feliz. É preciso lembrar disso, repete algumas vezes depois de digitar as primeiras palavras. Preciso lembrar disso. Do abrir das cortinas. Do ato. Dos aplausos.

Esquecível é o nada, a reflexão sem fato, o ócio sem um prévio ou subseqüente desassossego. Esquecíveis são dias como aqueles, anteriores ao repente, em que não havia registrado nada, senão um par de números de entrega delivery no celular. Delivery, pois tampouco queria sair para comprar uma pizza ou um cigarro na padaria três quadras de seu apartamento.


Para buscar inspiração, ligou a TV. Pago por ela, repetia ao lembrar-se das contas que sugavam como um ralo o dinheiro de sua conta em débito automático. Preciso de uma recompensa por essa fortuna. Egito antigo, saia justa, paraíso tropical e dramas familiares podiam bem lhe compor uma história, um tema. E uma prostituta, concubina grávida de Tutancâmon lhe veio a cabeça, mãe de um príncipe bastardo cujo sangue nunca lhe traria fortuna. Como, enfim, nomear uma personagem egípcia sem torná-la homônima duma figura consagrada pela história, pelos registros que pudesse encontrar na Wikipedia? Como nomear o filho? Como nomear as colegas?

Seus personagens não terão nomes, serão somente pronomes pessoais e adjetivos. Bela, mas pobre, encontrou na boceta uma fonte de renda. Desgraçada pela gestação, acabou desempregada.

Será um épico de uma ordinária figura sofrendo problemas mundanos, sem heroísmos nem catástrofes. Será beneficiada pela bondade de estranhos, como ele deseja que todos sejam os que na gestação estejam desamparados. Olha para o telefone e sofre um pouquinho pelo silêncio insistente de sua campainha.

Será um épico duma abandonada pela idéia. Por que não abandona tudo, vai para um estranho rincão na Galiléia e jura para um trouxa qualquer que é virgem e que lhe fora anunciada secretamente a maternidade do filho de Deus? Não estaria mentindo – o Faraó é Deus, afinal.

Resolverá contar com a clemência do Faraó – ausente, de intocável reputação e de frutos incertos. Será que lhe irá proporcionar um conforto eterno? Será?

Antes de botar um ponto final na história, sua bela esposa adentra o apartamento do trabalho e suspira: "Como estou cansada!". Ele desliga o computador e vai implorar uma rapidinha para aliviar a tensão.


E você, já não tão em branco quanto antes, não abriu cortina nenhuma nem arrancou aplausos de ninguém. Mas, quem sabe um dia essa egípcia ainda não levanta as tralhas e vai ganhar o mundo?...

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Meu Artista Favorito

Uma piscina de medidas indefinidas. Não há tela nem o ilusório vazio de uma tela em branco. A piscina lhe proporciona um vazio de facto, o transparente, o nada - ou, por que não?, o caldo nutritivo. Ele joga o cenário em cor, uma primeira camada, deixando o espaço formar-se, não por acaso, jura, mas pelo movimento premeditado da tinta. Num canto, pode pingar uma gota de branco e dali fazer surgir um vulto, uma aparição fugaz, a sugestão de um rastro. Uma gota vermelha em outro, e pronto!, tal brancura pode ter se ferido, menstruado ou vestido uma echarpe estravagante.
 
Daquele universo cuida ele. Não por acaso, jura, pois o acaso persegue e, sem surpresas, percebe que não existe. É ele quem estimula a criação daqueles objetos que, na obra final se revelam, como tivessem percorrido um trajeto.
 
É nosso trabalho, portanto, desvendar em reverso a narrativa daquela gênese. Ele nos obriga a descobrir a idade da múmia, o formato original daquela ruína. Se a coluna está pendida ou, quiçá, esfarelada, nos obriga a imaginar o movimento que a desverticalizou.
 
Ele desforma o bolo e o exibe na parede. Pode nos dar uma pista, mas não falará mais nada - como se o olhar de quem o admira fosse o ponto final de sua épica gestação. Meu artista favorito não é egoísta e enxerga a pintura, a primeira das artes, como sujeito, não como objeto. Assim, a divide com o mundo, não por acaso, jura, mas por seu desejo de tê-lo transformado.

para mais informações http://web.mac.com/foliomarcelomello


quarta-feira, 4 de julho de 2007

A Noite dos Sabres

Foi durante a noite dos sabres, onde vi findarem-se os esparadrapos e lencinhos. Foi durante a noite dos sabres, onde o vi deitado na cama implorando uma degola rápida e sem sofrimento. Foi durante a noite dos sabres - que voavam sobre nossas cabeças e restejavam no entorno dos pés, desaforados - e naquela noite, da manhã iminente e luminosa porvir, pouco foi poupado.
 
"Vou gritar e vou chorar para que você entenda a minha dor, seu estúpido!" dizia ele, rastejando, jurando que não havia atirado a primeira lâmina. "Não fui eu, meu caro...", dizia soluçando docemente, quando para meu espanto virou-se erguendo o braço e apontou pr'um canto escuro do quarto, "foi ÊLE!".
 
Tão perplexo, três notas em descendo de uma melodia recorrente no passado vêm num estampido: enfim, trocaram um olhar! Estão se encarando! E no meio do fogo cruzado, sem nem me preocupar com os lanhos que me iam maculando a lívida maciez da pele, o encarava com o rabicho do olho, como se o acusasse de ter quebrado uma regra de ouro. "Foi ÊLE!" repetia sem se dar conta do meu desegrado, "foi ÊLE que te assombra dia a dia, noite a noite - e que agora resolveu atirar para todos os lados, para cima e para baixo!".
 
Foi durante a noite dos sabres, onde o sangue derramado ia endurecendo, coagulando e deixando marcas que quase se podiam confundir com churume. Sangue meu e dele que não nos esquivamos e abrimos nosso peito para o mundo como de costume.
 
"Moi?" sussurrava ÊLE ainda na penumbra, enquanto ouvíamos sua gargalhada fúnebre e incólume à estridência do quarto. "Aqui nesse canto não há sangue nem dor" enquanto demonstrava arqueado, fetal, com as mãos tampando os ouvidos e os olhos uma situação de aparente previlégio.
 
E foi durante a noite dos sabres que, na terra arrasada, decidi não me esconder no escuro do quarto e confiar, apegado às sobras, na iminência da manhã luminosa.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Paris, RJ

Complexos, complicados e simples. E o churume. Temos identificado essas entidades na cidade maravilhosa, nem que seja para afirmarmos: somos complexos! Veja bem...
 
Nos últimos tempos tenho pontuado meus dias com expressões em francês, mesmo tendo detestado Paris. Tenho admirado a idéia de Paris, com seus cigarros, cafés, cultura e amour fou. Eu, que sempre fui avesso aos clichés de revista de turismo, me apaixonei por esses. A transgressão fica pelo fato de não precisar necessariamente ir até a cidade de facto. Não existe de facto no meu sonho.
 
Tenho aplicado a idéia de Paris ao Rio. Tenho vivido o sonho - a foto do entardecer no postal, a vie en rose -, não o concreto, o cotidiano, a fumaça das fábricas parisienses ou a carranca de alguns de seus habitantes. O vento fresco do inverno sopra pelo caminho das ruas e carrega o meu olhar para longe do churume impregnado nas ruas da metrópole. Ele ainda está lá, mas é reconfortante delicadamente não fazer parte dele.
 
Estou curtindo a idéia da Nouvelle Vague. Mas só a idéia. Aqueles filmes continuam um porre.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

O quão alto posso voar?

Se você soubesse, me diria?, pergunto a um estranho na rua que me julgará mais pela minha roupa, mais pelos meus traços que necessariamente pelo que ouviu de mim. É dessa opinião que preciso: olhe para mim com minúcia, perceba o contorno das minhas olheiras e, por favor, não se esqueça da minha nova silhueta – denotações de esforço. O quão forte posso bater minhas asas e o quão nítida e ampla será minha vista lá do alto?

O estranho da rua me chama de louco e sai batendo o pé puto da vida. Pensa que sou um viadinho, que não tenho mais o que fazer e, pior, com seu bermudão de marca e um tênis todo fodido, tem certeza absoluta que tem, afinal, mais o que fazer; ou, ao menos, sai convicto disso. O estranho da rua não quer ouvir lucubrações de um alucinado bem vestidinho. Isso não se repete quando faço a pergunta à ele.

Depois que pronuncio vagarosamente a minha pergunta, ele demora um pouco a responder. Julga-me um sábio: define meus traços necessariamente pelo que ouviu de mim e credita minhas olheiras a intensas noites de lucubrações poéticas e não de bebedeiras baratas. Entretanto, é um cético. “Quando o sol fizer derreter suas asas, meu caro, você vai se esborrachar!...” correndo os dedos em meus cabelos.

Uma afirmação dessas, sobretudo dele, que carrega em si qualidades já mencionadas nesse canal, é difícil de ser digerida com tranqüilidade. Um esquecido ÊLE, já meio verde de asfixia, de repente dá as caras. Caminha no cantinho do quarto de lá pra cá, de cá pra lá, lentamente; revelando-se no feixe de luz da janela vez em quando, embora não produza nenhum som nem pronuncia uma palavra. Com as mãos no queixo, concorda, concorda e concorda. Uma unanimidade, afinal!, para o meu mais completo espanto.

“Você pode continuar voando, não me entenda mal...” e, de súbito, ÊLE pára num halt furioso. “... nem tão perto do chão, nem tão perto do sol”, ponderando docemente. Cada lugar lindo que mencionava ou cada benefício que me dava do vento fresco que sopra a poucos metros do solo, ele percebia que a minha perplexidade anterior dava lugar a uma calma imensa.

“Cínico!” rosnava ÊLE no canto, “No mundo em que vivemos, é tudo ou nada, it’s all or none!”.

“O cheiro e barulho do oceano, eqüidistante e sonante aos mistérios do universo. A certeza da terra firme e o infinito do infinito...”.

“Ah!, mas se teu pai te visse tão medíocre e contentado!”.

“Uma vela para a mãe natureza e uma vela para Deus...”.

E eu, que só queria mesmo a opinião de um estranho, fui bombardeado pela questão por todos os lados. Peço um minuto de silêncio: de que adianta comparar o céu de Ícaro ao de Galileu, afinal, sem ter ainda crescido as asas?

ÊLE se tranquiliza. E ele começa a massagear minhas costas a ver se o atrito estimula o processo.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Meu Sapato Novo

Havia saído para fumar um cigarro lá fora - a lei de Nova York não permite aquela fumaceira charmosa dentro dos bares e boates. Acendi e, no frio, a fumaça do tabaco se misturava à fumacinha produzida pelo calor da minha respiração. Um sujeitinho se aproximou e perguntou se podia lustrar meus sapatos.
 
Eu estava de bom humor, e por isso, na disposição de mostrar a friendliness latina, brasileira, dei um tapinha nas costas dele e menti que havia deixado a carteira lá dentro, logo não poderia pagá-lo pelo serviço. Sorri, falamos um pouco e ele, por fim, disse que lustraria meus sapatinhos detonados pela neve de graça. Um dia você me paga, enquanto agaixava-se.
 
Naquele tempo em que não estava cercado de tanto amor e amigos da vida, com os sentimentos à flor de uma pele umedecida por diversos copos de cerveja, vi meus olhos embaçarem emocionados. Meti a mão na carteira, confessei minha mentira e dei cinco dólares para o sujeito.
 
Hoje vou numa entrevista de emprego. Quando peguei meus sapatos ainda brilhando pela gentileza daquele adorável estranho, lembrei-me dele e das suas sinceridades. Onde estará meu amigo perdido? Será que ainda vaga pelas ruas do Village distribuindo seu sorriso e seu brilho por um mundo que ainda prefere gastar aqueles cinco dólares numa mísera cerveja a mais?
 
Boto meu sapato novo, rezo por ele, e vou passear.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Uma tarde com eles

Conversava com ele, não com ÊLE, porque com ÊLE já não troco muitas palavras. E ele tinha deliciosas três letras minúsculas, sem acento. Estava sentado de pernas humildemente cruzadas; ele e sua voz calma, seu rosto sem rugas. Prostrava a cabeça, abria os olhos sem espanto, desviava o lusco-fusco do rosto com as mãos; ele me dizia: querido, você consegue sentir alguma coisa no ar?

De um canto escuro da sala, ÊLE dá de ombros e acende um baseado. Escuta nossa voz numa trip muito louca, às vezes interrompida por ligações do celular e outras responsabilidades pendentes. Esfrega os olhos vermelhos e nos observa com a visão embaçada. Provavelmente vê muitas cores, porque elas existem - mas as julga clichês do surrealismo. ÊLE dá de ombros e essa será a contestação da noite.

Conversava com ele e ele, sim, me olhava nos olhos e aguardava, ansioso, a última palavra para, então, ter ouvido tudo; articulava-se; gesticulava um pouco; sublinhava algumas passagens do meu texto; e, enfim, falava até a última palavra para ter a certeza de que falou tudo. Entre nós não havia gordura.

Caretas, resmungava ÊLE de longe, acinzentado por dois maços e meio de cigarro. ÊLE dá de ombros.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

O Retorno

Senti falta daqui. Um espaço assim onde eu consigo falar tudo o que me foge a cabeça no dia a dia, seja por esquecimento ou por falta de ouvintes especificamente interessados. É ainda um livro de viagens, mas, por que não?, vou incluir umas viagens que tenho feito no retorno ao Rio de Janeiro... àquele inferno que é o Rio... à Cidade Maravilhosa.
 
O que sentir pelo Rio de Janeiro? Calor, certamente. Já era o fim de abril quando pensei que nunca mais deixaria de suar. O aniversário da Bruna chegou e, graças a ela, dissipou a massa intergalática estática de ar fervendo que pousava sobre o estado. Também, o calor da gente. Não de todo mundo porque o carioca não está mesmo, como me havia alertado uma amiga, lá muito bem humorado. Calor de uma gente específica que tem transformado a minha agenda num sonho a que fui em busca lá em Nova York. Tardes com designers e jovens cineastas para a edição de uma revista, reuniões sobre um documentário, pequenas realizações cinematográficas, almoços com minhas ex-chefes, programas culturais e noites escolhidas a dedo. Noites fabulosas, literalmente.
 
Não é a cidade, diz a experiência, é o espírito. Mas aí de lembro do nascer do sol no Arpoador que eu e dois caros amigos presenciamos, e torna-se necessário reverenciar a cidade.
 
Quando não estou engajado em uma dessas atividades fabulosas, tenho passeado muito por aqui - Ipanema ou Copacabana - com a Shaia. Ipod nos ouvidos e óculos escuros, fico só observando o dia passar no rosto das pessoas. Estou cada vez mais sensível, entretanto, a ter que acorrentar a Shaia e levá-la feito uma prisioneira para um banho de sol. Fito seus olhinhos tristes, o pescoço arqueado pelo peso das correntes e tento dizer: "Não fui eu, meu amor, quem inventou isso... Foi ÊLE".
 
Daí começo a pensar NÊLE, cada vez com mais desprezo e cada vez mais frustrado por não ver a minha cadela correndo solta por aí. "Eu também uso uma dessas" repito, é claro, em pensamento. O desafio passa a ser, portanto, dar cabo DÊLE e das coleiras. Na esperança que eu ou Shaia não terminemos atropelados por um desses ônibus frenéticos.

sexta-feira, 23 de março de 2007

Será Adeus?

Muito, muito, muito, mas muito estranho mesmo pensar que daqui a uma semana estarei no avião de volta pro Rio. Depois de quatro meses, de adaptações, novas amizades, momentos (e muitos) d'eu comigo mesmo, depois de explorações e experimentações a que só um forasteiro pode de se dar ao luxo... é chegada a hora de retornar ao mundo real. Será adeus? É uma questão.
 
Pra não perder tempo e não deixar de fazer todas as coisas que guardei para o fim da viagem, tenho inchado meus dias. De manhã cedo, acordo horas antes só para poder descer algumas estações antes do meu trabalho e ver um pouco mais essas ruas que daqui a pouco desaparecerão. Hudson St., Christopher St., Washington Square, 6th Avenue, Chelsea, Ladies Mile, Paradise Café, New York Sports Club, Cupcake Café...
 
Até minhas horas no trabalho não têm sido gastas apenas fazendo Capucccinos ou cupcakes. Tenho trocado uma idéia com os clientes e colegas, dado mais atenção as crianças (o café é anexo a uma loja de livros infantis) e, é claro, tenho provado de pouco a pouco todos os doces daquela loja. Vamos ver no que isso vai dar!
 
Ontem, depois do trabalho, fui assistir uma peça de teatro muito louca chamada "Wake Up Mr Sleepy! Your Unconsious Mind is Dead!" do Richard Foreman. Uma mistura de instalação, dança e uma porção de charadas sobre a consciência que me hipnotizaram. Um barato, literalmente. Eu estava sentado numa almofada no corredor (o assento mais baratinho) na primeira fila. E, bem, por algum motivo, todos os atores ficaram me olhando a peça inteira. Estavam vestidos de soldadinho, com um lenço no rosto e os olhos pintados de um vermelho vivo - calafrios. Fantástico! E ainda fiquei sabendo que o Richard Foreman dá um ciclo de palestras e apresentações por universidades de cinema de todo o mundo através de um projeto chamado Bridges. Estão procurando uma universidade na América Latina. Quem sabe?
 
Com tanta inspiração e intensidade, encontrei com a Juliana porque precisava tomar um drinque e porque ela estava com a Chrissy. Vocês acreditam que eu vou filmar um video-clip com ela??? Nem me amarro muito no som da bichinha, mas vai valer a pena voltar na casa dela e tentar captar aquilo com a câmera da minha querida Juana.
 
Eu e a Ju tratamos de extender essa noite até hoje de manhã e, graças, não tenho que trabalhar! Hoje acho que só saio de casa para o jantar que o pessoal do meu trabalho vai fazer para a minha despedida. Já falaram que vai ter sangria, coquito, vinho, cerveja e sabe-se mais o quê! Então, prenuncia-se mais uma bebedeira, embora o fígado implore pelo contrário.
 
E agora, vou tratar de passar os meus últimos dias com o coração aberto. Acho que está mesmo na hora de voltar e retomar o rumo das coisas - acabar a faculdade, iniciar a minha carreira e retonar ao contato diário de tantas pessoas cuja importância têm sido provada em cada um dos meus dias por aqui. Saudades da mamãe ;). Pela primeira vez na vida, estou finalizando uma viagem dessas com uma serenidaaaaaade. Sem sofrimentos daqueles de arruinar os dias.
 
Vou tratar de comprar uma câmera descartável hoje para documentar isso um pouco, porque não sei se já perceberam mas fotos que são boas, estão em falta. Vou botar umas fotos da peça que eu fui ontem pra dar uma mudada nesse display de fotos do blog - nem eu mais aguento ver essas minhas caras!
 
Um grande abraço e até semana que vem!
 
ps. Não é bem uma despedida do blog - de repente acontece algo de extraordinário e, aí, eu volto.

sexta-feira, 2 de março de 2007

Uma Visita à Chrissy Dodgers

Ao entrar no apartamento de Chrissy Dodgers naquela noite de terça, um fortíssimo cheiro de jalapeño, chilli e nachos tomava conta do espaço. Quatro gatos e dois cachorros gêmeos ocupavam todos os assentos e seus pêlos deixavam meu nariz vermelho só de pensar.
 
Bem, não todos os assentos. A mãe de Chrissy, indiferente à nossa chegada, estava pousada numa almofada do sofá que, por estar mais baixa que as outras, denunciava sua permanência estendida por ali. Chrissy e seu sorriso fabuloso, incapaz de ser captado por qualquer foto que eu já tinha visto, insistia para que nos sentíssimos à vontade, enquanto equilibrava garrafinhas de Corona Lights, um cigarrinho daqueles e espanava os gatos do sofá imundo. "É uma noite mexicana" anunciava "Kevin está cozinhando pra gente".
 
Chrissy é cantora. Seus shows acontecem muito raramente, sua voz não é lá essas coisas, as letras de suas músicas falam de anjos masculinos e outras besteiras recheadas de puro cliché. Pergunto se ela conhece uma dúzia de cantoras favoritas e, não, ela não parece estar muito informada da cena musical de NYC. Entretanto, é cantora. Não perde a oportunidade de empunhar sua guitarra e mostrar um pouco do seu trabalho. Tem um sorriso fabuloso. Pequenina, veste-se com estilo e bonézinhos charmosos.
 
Kevin não é seu namorado. E se fosse, talvez minhas esperanças pela carreira de Chrissy diminuissem mais ainda. Tem seu encantostreetwear, mas quando abre um sorriso, além dos olhos baixos e vermelhos, percebo que seus dentes são cáqui escuro, acavalados, sinuosos, atrapalhados. Kevin é uma figura simpática e silenciosa, que só responde aos impulsos de terceiros, mas não chega a emitir sinal algum.
 
Quando Chrissy começa a cantarolar sobre seus anjos masculinos, os olhos da mãe continuam vidrados na televisão sem som. O programa é uma espécie de "Plantão Médico" da vida real, com tripas, pernas estraçalhadas e tudo mais. Ela ainda não disse nada, o que causa um pequeno desconforto na gente, afinal é a dona da casa - a chefe da família. Parece ter acordado de manhã, carregado o rosto de um pancakedaqueles, sublinhado os lábios finos com um batom sei lá de que cor e ter se estabelecido no sofá, mesmerizada pelos terrores da vida segundo a TV americana.
 
Chrissy termina sua canção passando os dedos pelas cordas do violão e abrindo aquele sorriso de sempre. Batemos palmas, nós e Kevin. Em seguida, acendemos nossos cigarros e um cigarrinho daqueles. Educada e concerned, Chrissy nos oferece um comprimido de Claritin - de um dos muitos frascos de remédio que estão ali, disponíveis num criado mudo - mas eu prefiro não adicionar o antialérgico ao coquetel.
 
Conversa vai, conversa vem, algumas realidades daquela família começam a ser desveladas com uma naturalidade chocante: "A mamãe não parece, mas é uma mulher forte!" sorri Chrissy com seu bom humor habitual "O último namorado dava tanto soco na cara dela e ela nem caía nem nada. Podia ser uma boxeur". A mãe abre um sorrisinho, será de orgulho?, que interrompe seu transe. O contrangimento fica só do nosso lado. "Quase foi esfaqueada por ele, mas isso..." é interrompida pela protagonista da história. "Acho que isso ia acabar me derrubando".
 
"Kevin quase foi esfaqueado também" Chrissy diz em tom confessional. Depois eu ficaria sabendo que Kevin é um viciado em heroína emrehab. Está limpo [sic] há três anos e sua apatia vem de um dos vários medicamentos.
 
Os nachos estão prontos e, bem, estamos todos famintos. Começo a falar um pouco sobre o Brasil, sobre as pessoas normais e brilhantes e batalhadoras da nossa terra. Não sei se o faço por eles, pelo bem da nossa conversa ou por mim mesmo - que depois de cervejas, cigarrinhos daqueles e com imagens de facas, socos, drogas pesadas e carreiras de pouco sucesso já estou enveredando por uma badtrip. E o calor de casa é revigorante. A sensação de estar no meio de uma gente tão estranha já não me parece ruim - são personagens, são inspirações. Desde que o samba é samba, é assim.
 
Despedimo-nos de Chrissy e de sua família. Saímos cheios de curiosidade pelo metrô de Nova York - provavelmente o espaço mais fabuloso em que estive no mundo, sociologicamente falando. Quero ir mais na casa dessa gente toda: enxergar de perto as suas loucuras, chafurdar suas histórias escabrosas e, ainda assim, porque sou um sujeito perseverante, me encantar com sorrisos tão incríveis e misteriosos como os de Chrissy e Kevin.

sábado, 10 de fevereiro de 2007

E Pluribus Unum

Vida de trabalhador.
 
Todos os dias acordo cerca de duas horas e meia antes de partir para o trabalho. Lentamente, como sempre, como alguma coisa enquanto leio o jornal - de lá e de cá, como vivesse em dois mundos - e tomo um banho rápido. No trem para a cidade, as notícias ainda estão sendo assimiladas pelo meu cérebro (se, no caso, eu estiver de ressaca, o processo é ainda mais cabuloso). E, apesar de serem tão dissonantes as minhas duas fontes de informação - "Hillary or Obama for prez" de um lado; "menino é arrastado por sete quilômetros após assalto no Rio" - busco na sociologia do metrô de Nova York, um ponto de interseção para que façam mais sentido.
 
Latinos, asiáticos, russos, africanos, eu... todos nós à caminho da iluminação e das verdinhas de Manhattan. Deixamos o Queens com todos os seus vetores étnicos, e entramos, por debaixo do East River, num mundo maior ainda. Dentro do meu moedeiro, uma piada: nas moedas de 25 centavos está inscrito "E Pluribus Unum" (From many, One). Um lema americano sobre união que, tão obviamente, está esquecido na alcunha daquele quarter. Seja nesse país, envergonhado pela presidência de um idiota, seja no Brasil da grande tragédia diária, seja nas tragédias diárias que trouxeram essa gente toda para o brilho de Manhattan.
 
É... Esse mundo tá mesmo precisando de um arremedo.
 
Por enquanto, o jeito é seguir em frente, servir meus cupcakes, sonhar com as grandes possibilidades do meu documentário e depois gastar todos os meus dividendos em noites, cervejas, screw drivers, peças de teatro, shows, ingressos de cinema... É melhor ficar de olhos bem abertos nas manhãs; e reservar o espaço da noite para, como todos esses mimos that money can buy, viver um sonho fabuloso! E Pluribus Unum!
 
Na segunda vou a uma palestra com o Dennis Hopper na NYU! De graça.
 
Saudações! Saudades!
 
Ps. Estou com problemas técnicos para botar as fotos. Em breve!

sábado, 20 de janeiro de 2007

Adeus, amigos!

Madrugada de sexta-feira, 19 de janeiro - marquem esse dia: meu último dia de penúria financeira. Amanhã recebo o salário derradeiro e, prometo, as noites de Nova York nunca mais serão as mesmas. Daqui pra frente, faço parte do barulho que se encerra nas grossíssimas portas sob olhar vigilante dos leões de chácara. Daqui pra frente, como diria meu irmão do seu mundo distante, daqui pra frente "é nóis".
 
Hoje de manhã mesmo tentei escrever um texto sobre os vagabundos pobres, pobres como eu, que flutuam sobre o luscofusco de Manhattan, sob o brilho dos outdoors haute-couture e do nariz empinado das adolescentes White America. Queria descrevê-los, olhá-los nos olhos com um carinho que só surge da identificação completa e absoluta. Mas amanhã já não farei parte deles e poderei deixar o último gole morno nospints de cerveja. Talvez não tenha conseguido terminar o texto por isso - porque uma despedida dessas não é pra ser descrita.
 
Se acabar comprando uma roupa nova, talvez comece a desenhar esse eu que se manteve em suspenso até agora. Se puder comprar um ingresso para o teatro, se puder ver as exposições, as vernissages, os eventos... Para caprichar no traço, procuro inspiração na escrita dos amigos - e para isso, os blogs do Fred e do Animal me têm sido uma mão na roda. Sua convicção cega e, ainda sim, clarividente: ah!, como eu queria ter toda essa certeza! Pois, por enquanto, só flutuo no luscofusco palpável das roupas e dos ingressos.
 
Os sonhos.
 
- O tabaco foi o único que me deu alguma coisa nessa vida...
 
- Mas você tem o sucesso...
 
O sucesso não tem cheiro nem sabor. E quando você o tem, nem percebe a sua existência.
 
O Almodovar me salpica uma frase irresponsável dessas no "Tudo sobre minha mãe", confunde a minha cabeça e deve estar agora dormindo tranquilo por aí.
 
Até amanhã, mundo. E que deus proteja os vagabundos pobres desse mundo, porque eles têm um coração bom como o meu!...

sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

Little Money Blues

Cerca de cinco anos atrás, estava eu numa cidade do interior da Escócia. Sozinho, sem dinheiro pra nem um cafézinho na rua, numa noite dessas de puro spleen e chá grátis na sala de estar do albergue em que trabalhava, eu via os outros hóspedes saindo, outros bêbados chegando - e meu coraçãozinho se perguntava: "que diabos eu vim fazer aqui?".
 
Os sentimentos desses últimos dias não chegam a ser iguais. Além da experiência, que me diz que tudo vai dar certo no final, estou num adorável lar do Queens, com uma família me recebendo de braços abertos e cozinha recheada absolutamente disponível. São só os sonhos de noites de pura epifania artística que estão me fugindo pela falta das tão cobiçadas verdinhas. Gastei quase tudo o que trouxe aproveitando a vida e acabei sem encontrar o tal emprego. Hoje, como na Escócia, sou um exilado no nosso Queens de todos os imigrantes.
 
Ontem, no E Train, olhando todos aqueles loiros e lindos saltando na última estação de Manhattan para darem lugar aos latinos, asiáticos e negros do bario - eu incluso - cheguei até a me perguntar o que diabos eu estava fazendo em NYC. No meu diário, o espaço dos segredos cabulosos que nunca caberão num blog, escrevi:
 
"Solidão, desemprego e um exílio diário de tudo o que sonhei antes de vir pra cá. (...) É pressa. O que será de mim sem uma cervejinha, de onde tantas possibilidades sempre podem surgir?"
 
Era draminha. Hoje, depois de mais um pouco dessa flanerie e tão somente, já estou de pé de novo. Amanhã começo o treinamento num café e aqueles sonhos e possibilidades parecem dar o ar da graça.
 
(putz, começou a tocar Elton John...)
 
E, enfim, pude contar com a solidariedade de... errr... não posso falar que de estranhos. Meu padrinho esteve por aqui e me levou para museus fabulosos, sem falar o Ano Novo. Meus hosts também.
 
O momento mais brilhante foi o dia em que visitei o Museum of Modern Art. A vontade era de engolir os olhos atentos daquela juventude interessada e fabulosa que passava pelas galerias. O museu, em si, lindo, parece carregar nos seus ângulos retos, sempre, uma energia de criação, criatividade, do novo. De ficar doidão.
 
A exposição, um retrospecto das artes plásticas da Europa do período 1960-2000, parecia ter parido ali, instantaneamente, aquela gente linda. Vou virar membro do MoMA...
 
Agora é esperar o meu primeiro salário para que possa voltar para os bares, para as portas secretas que dão em clubes escondidos, para a bagaceira... Só espero que o rádio seja um pouco mais gentil daqui por diante.