quinta-feira, 10 de maio de 2007

Uma tarde com eles

Conversava com ele, não com ÊLE, porque com ÊLE já não troco muitas palavras. E ele tinha deliciosas três letras minúsculas, sem acento. Estava sentado de pernas humildemente cruzadas; ele e sua voz calma, seu rosto sem rugas. Prostrava a cabeça, abria os olhos sem espanto, desviava o lusco-fusco do rosto com as mãos; ele me dizia: querido, você consegue sentir alguma coisa no ar?

De um canto escuro da sala, ÊLE dá de ombros e acende um baseado. Escuta nossa voz numa trip muito louca, às vezes interrompida por ligações do celular e outras responsabilidades pendentes. Esfrega os olhos vermelhos e nos observa com a visão embaçada. Provavelmente vê muitas cores, porque elas existem - mas as julga clichês do surrealismo. ÊLE dá de ombros e essa será a contestação da noite.

Conversava com ele e ele, sim, me olhava nos olhos e aguardava, ansioso, a última palavra para, então, ter ouvido tudo; articulava-se; gesticulava um pouco; sublinhava algumas passagens do meu texto; e, enfim, falava até a última palavra para ter a certeza de que falou tudo. Entre nós não havia gordura.

Caretas, resmungava ÊLE de longe, acinzentado por dois maços e meio de cigarro. ÊLE dá de ombros.

Nenhum comentário: