quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Little Town Blues

Logo que cheguei, no segundo dia, já tinha tantas coisas pra falar a respeito de Nova York que vim aqui e escrevi um textão. Impressões, relatos insólitos, encontros mirabolantes... A cidade havia se apresentado a mim de forma grandiloqüente e, de certa forma, esperável. Afinal, todas as pessoas me haviam alertado sobre os encantos e medos da grande metrópole do mundo - ou, "a matriz", como um amigo fez questão de ressaltar. O texto se perdeu nos meandros da net - mistéééério.
 
Agora, mais maduro, depois de intermináveis caminhadas por essas ruas numeradas que não parecem ter fim, acho que poderei fazer reflexões ainda mais maduras. (ah!, mas é uma pena que vocês não tenham conhecido aquele relato tão verde e inocente dos primeiros dias!).
 
As fotos que já estão aí publicadas foram do meu segundo dia. Sol, tempo agradabilíssimo e uma tarde em Roosevelt Island que tem uma previlegiada vista para Manhattan. Um sinal de boas vindas ou um prelúdio falso?
Digo isso porque a cidade não é tão plácida ou calma. Da ilha, um burburinho distante anunciava, mas bem baixinho, as grandezas do mundo do outro lado do canal. Quando saltei ali pela 60 e poucos com Lex, aí sim, as dimensões começavam a se definir. Juliana, minha anfitriã, se encaminhava para o trabalho. E eu, o homem das multidões pós-moderno (sic), mergulhava nela até desaparecer completamente. Nessa multidão, eu não sou absolutamente ninguém. Minha língua e nacionalidade estão diluídas em meio a tantas outras que, de fato, suas características não fazem a menor diferença.
 
De repente, ao cruzar uma esquina, tenho a certeza de ter visto a Paris Hilton. O espanto não dura três quadras, porque logo logo encontro outra, e outra, e outra. Com um olhar menos dislumbrado, enxergo também 50 Cents, Justin Timberlakes (antes e depois de ter trazido osexy back), Carrie Bradshaws e rótulos, rótulos e mais rótulos. Preciso fazer compras, me pego pensando.
 
Estou prestes a cair na tal armadilha, mas aí chego ao Village que contraria tudo e desdiz tudo o que o Upper East Side me havia dito com a voz tão alta. Cafés, predinhos com escadas de incêncio na fachada e uma gente tão peculiar. Village People, repito baixinho - e, sim, até que faz algum sentido. Se um cara daqueles passasse por aqui e entrasse vestido de índio numa lojinha pra comprar cigarros, ninguém ia achar estranho. Um homem passa por mim, trajando uma roupa parecida com a minha, e conversa com o seu cachorro: "Se eu morrer, você pode me comer sem remorso, baby... Tá tão frio!". Só eu achei bizarro.
 
O blasé da cidade é uma moeda de dois gumes (ou seria uma faca de dois lados?): a invisibilidade dá, às vezes, uma saudade conformada do meu Rio de Janeiro, onde enquanto elite, enquanto personagem, ocupo um espaço de relativo destaque; por outro lado, uma sensação de liberdade irrefreável toma conta de mim. Era isso que eu procurava ao deixar a Cidade Maravilhosa - atirei na Big Apple e sinto como se tivesse acertado em cheio.
 
Uma cerveja para coroar o fim da noite. Um cover do Dave Matthews toca num bar despretensioso e quase vazio - mas tem violão, guitarra, violino e piano. No bar, conheço um canadense de mais de 40 anos, músico. Está em Nova York há 22 anos tentando vender sua música e, pelo seu aspecto, não posso nem suspeitar que foi bem sucedido. "As pessoas vêm para cá todos os anos procurando alguma coisa e só encontram pessoas procurando alguma coisa" parecia se justificar. Falo para ele do documentário que pretendo fazer e, mais, estamos bêbados e cheios conclusões. Meu documentário, mais do que sobre os beatniks e o desencanto, será uma busca pela esperança, ele me diz.
 
Só pra vestir minha aventura com uma roupa mais bonita do que férias de quatro meses, estou passando a chamá-la de "uma busca pela esperança". Sei que vou sair daqui com mais perguntas do que respostas, mas, enfim...
 
Até mais!