sábado, 20 de janeiro de 2007

Adeus, amigos!

Madrugada de sexta-feira, 19 de janeiro - marquem esse dia: meu último dia de penúria financeira. Amanhã recebo o salário derradeiro e, prometo, as noites de Nova York nunca mais serão as mesmas. Daqui pra frente, faço parte do barulho que se encerra nas grossíssimas portas sob olhar vigilante dos leões de chácara. Daqui pra frente, como diria meu irmão do seu mundo distante, daqui pra frente "é nóis".
 
Hoje de manhã mesmo tentei escrever um texto sobre os vagabundos pobres, pobres como eu, que flutuam sobre o luscofusco de Manhattan, sob o brilho dos outdoors haute-couture e do nariz empinado das adolescentes White America. Queria descrevê-los, olhá-los nos olhos com um carinho que só surge da identificação completa e absoluta. Mas amanhã já não farei parte deles e poderei deixar o último gole morno nospints de cerveja. Talvez não tenha conseguido terminar o texto por isso - porque uma despedida dessas não é pra ser descrita.
 
Se acabar comprando uma roupa nova, talvez comece a desenhar esse eu que se manteve em suspenso até agora. Se puder comprar um ingresso para o teatro, se puder ver as exposições, as vernissages, os eventos... Para caprichar no traço, procuro inspiração na escrita dos amigos - e para isso, os blogs do Fred e do Animal me têm sido uma mão na roda. Sua convicção cega e, ainda sim, clarividente: ah!, como eu queria ter toda essa certeza! Pois, por enquanto, só flutuo no luscofusco palpável das roupas e dos ingressos.
 
Os sonhos.
 
- O tabaco foi o único que me deu alguma coisa nessa vida...
 
- Mas você tem o sucesso...
 
O sucesso não tem cheiro nem sabor. E quando você o tem, nem percebe a sua existência.
 
O Almodovar me salpica uma frase irresponsável dessas no "Tudo sobre minha mãe", confunde a minha cabeça e deve estar agora dormindo tranquilo por aí.
 
Até amanhã, mundo. E que deus proteja os vagabundos pobres desse mundo, porque eles têm um coração bom como o meu!...

sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

Little Money Blues

Cerca de cinco anos atrás, estava eu numa cidade do interior da Escócia. Sozinho, sem dinheiro pra nem um cafézinho na rua, numa noite dessas de puro spleen e chá grátis na sala de estar do albergue em que trabalhava, eu via os outros hóspedes saindo, outros bêbados chegando - e meu coraçãozinho se perguntava: "que diabos eu vim fazer aqui?".
 
Os sentimentos desses últimos dias não chegam a ser iguais. Além da experiência, que me diz que tudo vai dar certo no final, estou num adorável lar do Queens, com uma família me recebendo de braços abertos e cozinha recheada absolutamente disponível. São só os sonhos de noites de pura epifania artística que estão me fugindo pela falta das tão cobiçadas verdinhas. Gastei quase tudo o que trouxe aproveitando a vida e acabei sem encontrar o tal emprego. Hoje, como na Escócia, sou um exilado no nosso Queens de todos os imigrantes.
 
Ontem, no E Train, olhando todos aqueles loiros e lindos saltando na última estação de Manhattan para darem lugar aos latinos, asiáticos e negros do bario - eu incluso - cheguei até a me perguntar o que diabos eu estava fazendo em NYC. No meu diário, o espaço dos segredos cabulosos que nunca caberão num blog, escrevi:
 
"Solidão, desemprego e um exílio diário de tudo o que sonhei antes de vir pra cá. (...) É pressa. O que será de mim sem uma cervejinha, de onde tantas possibilidades sempre podem surgir?"
 
Era draminha. Hoje, depois de mais um pouco dessa flanerie e tão somente, já estou de pé de novo. Amanhã começo o treinamento num café e aqueles sonhos e possibilidades parecem dar o ar da graça.
 
(putz, começou a tocar Elton John...)
 
E, enfim, pude contar com a solidariedade de... errr... não posso falar que de estranhos. Meu padrinho esteve por aqui e me levou para museus fabulosos, sem falar o Ano Novo. Meus hosts também.
 
O momento mais brilhante foi o dia em que visitei o Museum of Modern Art. A vontade era de engolir os olhos atentos daquela juventude interessada e fabulosa que passava pelas galerias. O museu, em si, lindo, parece carregar nos seus ângulos retos, sempre, uma energia de criação, criatividade, do novo. De ficar doidão.
 
A exposição, um retrospecto das artes plásticas da Europa do período 1960-2000, parecia ter parido ali, instantaneamente, aquela gente linda. Vou virar membro do MoMA...
 
Agora é esperar o meu primeiro salário para que possa voltar para os bares, para as portas secretas que dão em clubes escondidos, para a bagaceira... Só espero que o rádio seja um pouco mais gentil daqui por diante.