sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Ficcão IV

Uma ponta de alegria me toma, ficcional e não como todos os outros sentimentos. Olho ao redor, a casa e seu amontoado de lembranças, que há pouco te recebeu, que guardou suas digitais pelas paredes e ainda guarda um pouco do seu cheiro. Fico feliz por isso.

O mundo tão largo, tão grande, tão cheio e você, tão único – espalhado por aqui e pelos rastros que vão riscando a cidade. Vou imaginando o desenho extenso sem que o sorriso me saia, por imaginar o momento em que os pontos se cruzam, em que eu te encontro e em que tudo resulta bem, reunido.

Quem vai provar, afinal, se não nós, que passa, sim, de teoria débil as especulações de que você, ao se deixar tanto pelo caminho, desaparecerá? Que tuas linhas se misturarão às linhas de mijo desenhadas na calçada, aos passos sem antecedente dessa gente que eu não conheço? Se não for você que seja eu – porque uma alegria me toma e, ficcional ou não, vem cheia de ânimo, estofada de êxitos passados. Uma alegria que não me sai e que tampouco tem (apenas ou até) 26 anos, porque te sabe, te enxerga; porque te vê dividindo a essência e se multiplicando. Que seja eu, na medida que continues sendo.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Russo, Petrópolis



Belas imagens da rodovia BR-040 acometida de um russo intenso

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Reticências

Mais um dia, meu filho, mais um dia...

Estávamos parados no ponto de ônibus e o velho o dizia sem jamais completar a sentença. Eu não era o filho, mas, por Deus!, era capaz de compreender. Nesse mundo de meias palavras, a gente entende cada coisa que, vai saber...

É o ônibus que não chega nunca, a resposta que nunca é dada e mais alguns temas do cotidiano que nem valem a pena serem listados. Quem, meu Deus, se não vós, essa entidade tão oblíqua aí no céu... Quem irá visitar as minhas agonias, para não dizer meu blog?

E como irei eu, meu Deus? Como irei eu arrumar uma agoniazinha sofisticada e transformá-la num filme engraçadinho ou num livro queridinho do hype?

A minhazinha, coitada, curtida e pontilhada de reticências mais oblíquas que vós - recém um pouco de tudo, ex um pouco de mais um pouco. A minhazinha que passeia nas ruas e transfere, que interage e transfere e que, de quando em quando, enche o saco dos amigos, afastando assim, os únicos leitores.

Podes ver o quão empoeirado anda esse pequeno espaço? Se ele precisasse de eco para respirar, estaria asfixiado. Talvez por isso o velho me prometa um dia e o ponto me prometa um ônibus. Pequenas esperanças, afinal...

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Opiniões Leves

Leblon, que bairro é esse? Tenho pensado bastante sobre ele e não com amor ou carinho. Ele vem acompanhado de algumas frases ou expressões que ouvi nos últimos tempos: "Blocos de carnaval não cabem no Leblon" ou "É o quadrilátero das vaidades".

Penso no Leblon, nos bares e boates do Leblon, nas ruas e nos cinemas, e acabo redundando na mesma sensação. É uma construção de Manoel Carlos (ô, homonimozinho que foram me arrumar!), uma construção de uma classe média inteiramente descolada (no mal sentido) e que se chama de classe média só para se protejer de sequestro.

Leblon... Pensei numa lista tipo "Dez motivos para se odiar o Leblon", mas logo entendi que estaria jogando TOP TEN um jogo deles. Então, sim... as boates do Leblon são basicamente a Melt e a Bardot, paroxismos do metido à besta. Então, sim... o Cinema Leblon virou point de sôci do Santo Augustinho (tente ver algo como Indiana Jones lá), e a Dias Ferreira, de celebridades que "fogem" dos papparazi. Mas acho que não preciso de uma lista, basta ver.

Basta ver a organicidade de bairros como Ipanema e Copacabana - complexos e multifacetados, donos de si, à merce de nada mais que si, de cara para favelas simpáticas ou medonhas (a opção é sua) e incorporados de uma canalhice carioca que é só daqui.

Basta ver aquela feiurinha de Botafogo que, vez ou outra nos surpreende com uma vilinha bucólica, uma casinha ali perdida no cinza. Basta ver a nova Cinelândia se formar na Voluntários da Pátria durante o festival do Rio e também o que acontece em restaurantes jurássicos como o Manolo na Bambina.

Basta ver o verde imenso do Jardim Botânico, que entra nas casas com seu ar gelado e transforma tudo em uma floresta urbana. Basta ver a rua do Catete e seus hotéis centenários (e de segredos centenários). Basta ver as pensões e os travecos da Glória... E daí por diante.

Nada disso cabe no Leblon. Um dia deve ter cabido, mas agora não. E um dia... meu Deus, um dia aquela gente vai entender como essa história de "não cabe" é cafona e como a essência do Rio de Janeiro é justamente caber tudo (bem, cabe até o Leblon!).

Costumava destilar meu desagrado com a Barra da Tijuca, mas aquilo lá é tão longe que faz até algum sentido.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Trompe l'Oeuil

Começa por tentar decifrar o rosto dela, portanto começa, o que já é um avanço. Explica que está pensando num desenho, uma nova obra de arte, nos seus olhos fundos e dramáticos, no nariz que começa aqui e termina ali, de forma tão poética, para definir os parâmetros da boca - um blá-blá-blá que seria interpretado de cínico pelos entendidos de arte; mas que, para nós, pobres mortais interessados no amor e na fagulha de uma frase dessas, não tem nada de cinismo.

E olha... "Fica parada, Macabéia!"; "Olha pra baixo, olha pra cima"; "Vem vindo, pára aqui na minha frente"; "Encosta sua mão no meu peito"; "Tudo pela perspectiva, querida".

Seu avô já lhe dissera, é melhor assim. Que os romances comecem numa mentira poética, e não numa virilidade cruel ou numa mentira cretina. E poética se repetia desde então, pois dizia até para o vendedor de bicicletas que buscava o ar num movimento diferente e não um de casa pro trabalho mais ligeiro.

"Quero ver o resultado!", ela diz embevecida, o que já é um encontro; "Quero que você, depois, me diga", o que já é uma deixa; e sai espiralando a bunda, pois "quem sabe ele me pinta inteira?". Portanto, uma expectativa.

"De um encontro bobinho, meu deus! De uma besteira e já temos tanto!", se vangloria. Tudo pela perspectiva! E se embrenha na folha, no traço, vai se afeiçoando, tratando-o com carinho, desenhando a lembrança, que é mais bonita que a cara, e fazendo-a mais bonita ainda. Uma mentira poética, mais uma vez, mais uma vez.

Diante do resultado, colorido, desconstruído, sombreado, editado, trata-se de um trompe l'oeuil de sentimento e tempo. Uma elipse até o determinado encontro e, pronto!, fiat lux!, risca-se o fósforo e luz!

"Quero ver o resultado!", diz ele um pouco desconfiado. E, dessa vez, a mão dela vem sem mais delongas.

terça-feira, 3 de junho de 2008

sábado, 22 de março de 2008

Opiniões Fortes

Li recentemente o mais novo livro de JM Coetzee, ainda não publicado no Brasil, chamado "Diaries of a Bad Year" (Diários de um Ano Ruim). Nele, à parte de uma ficção bacana, o autor profere uma série de palestras sobre grandes temas e pequenas questões cotidianas. Como só tenho meu pequeno blog para falar dessas coisas, resolvi compilar algumas e compartilhar com os leitores, se é que eles existem.

Fiz algumas leituras recentemente muito distantes do habitual - a cerca, sobretudo, da história do Brasil. Essas leituras foram divididas em duas partes: livros do Ensino Médio e livros de pensadores brasileiros (em grande parte concatenados no excelente "Formação do Pensamento Político Brasileiro" de Francisco Weffort). Contei também com a memória para revisitar as salas de aula daquela época de escola.

Pude, assim, identificar as imensas discrepâncias de interpretação da nossa trajetória enquanto país entre as duas fontes.

É chocante perceber que nos ensinaram (e, provavelmente, continuam ensinando), por exemplo, que a atualmente celebradíssima mudança da corte de Lisboa para o Rio de Janeiro deveu-se exclusivamente aos acontecimentos políticos da Europa do século XIX. Igualmente chocante, é como essa transferência é encarada como um "presente" (uma "dádiva") da dinastia dos Bragança para a pobre colônia esquecida ao sul do Equador - especialmente quando é amplamente disponível e difundido o pensamento de figuras como Antônio Vieira, José Bonifácio Andrada, Joaquim Nabuco, Sérgio Buarque de Holanda, entre outros.

Essa noção é claramente nociva à formação de uma identidade brasileira consciente da importância do país mesmo enquanto colônia. Passada ainda nos tempos de escola, ela permeia o nosso imaginário com uma história simplória, passiva e servil que parece estar a favor de interesses vários, que não o da formação de uma sociedade crítica e capaz de identificar e criar soluções para o país.

É sabido, por exemplo, que a transferência da corte para o Brasil já era alvitada pela dinastia dos Bragança mesmo antes das invasões napoleônicas. Pelo fato da colônia ter ultrapassado a metrópole em riquezas e importância geopolítica, o Brasil era vislumbrado como a salvação para uma dinastia que governava o país extremamente decadente que era Portugal.

Mesmo a relação entre a metrópole e a colônia fica deturpada nos livros didáticos do Ensino Médio, como pude verificar na obra de Weffort. Um exemplo é o do terremoto que devastou a cidade de Lisboa na segunda metade do século XVIII e dos socorros brasileiros para reparar a catástrofe, na forma de empréstimos a juros baixos - bem diferente do autocracia e tirania de Portugal sobre o Brasil que é passada nessas fontes.

O episódio da nossa independência também é bastante esclarecedor. Pressionado pelas cortes portuguesas, D. João VI retorna a Portugal e deixa seu filho aqui. Essa medida é interpretada nos livros didáticos de história muitas vezes de forma passional e ingênua: Pedro de Alcântara teria se encantado pelas terras tropicais, por exemplo, teria se apegado ao Brasil. Não deixa de ser uma ironia a essa versão que Pedro, vendo os Bragança ameaçados no trono português e diante de turbulências no governo brasileiro, tenha deixado o Brasil (que ele, supostamente, tanto amava) à própria sorte, com um filho de 5 anos em garantia.

A minha interpretação é de um varão tentando e, habilmente, conseguindo perpetuar a sua dinastia em duas coroas. Pode ser que não esteja correta, mas entendo que o ensino tal qual é passado elimina qualquer interpretação, contrária ou mesmo favorável. 

Aquela sociedade crítica, capaz de criar versões para história passada e mesmo para a corrente, se vê amarrada e ditada. A consequência imediata disso é, por exemplo, uma imprensa que é incontestável, mesmo sendo dominada por atores (grupos econômicos e, muitas vezes,  transnacionais) que pouco têm de altruístas. São capazes de levantar e derrubar governos, legitimar ditaduras e crimes de lesa-pátria, tendo uma sociedade com uma atuação, aí sim, passiva, simplória e servil.

(a continuar...)

quinta-feira, 20 de março de 2008

Alga

E mais uma vez chegara a uma ilha, pensou ao sentir a areia no rosto, invadindo a boca, e ao ver o nativo se aproximando para arrancar-lhe um bife da perna. O rosto dele me é familiar: um rosto mastigado pelo tempo e pelo sal que, sem espelho, já não se enxergava fazia anos - também um náufrago, deixado por dezenas de anos no meio do mar. Ao percebe-lo acordado se espanta!, mais uma coisa viva!, no meio daquele pedaço de terra ingrato que só lhe dava côco, água da chuva e sementes, muitas sementes. À confirmação de que está vivo reage com nenhum assombro, tenta arrancar alguma resposta: Você está bem? Qual o seu nome? De onde você vem? Tenta descobrir sua língua.

E ele, mais uma vez numa ilha, soergueu-se e caiu com força, rosto colado à areia. Escutou o velho náufrago fazer suas perguntas e permaneceu - ai de mim enfrentá-lo ou ouvi-lo; que o mar me trague de volta, me cuspa n'outro canto. Observava o rosto do companheiro e pensava: nunca, mais nunca mesmo. Quis dizê-lo, mas foi carregado à força até um porto seguro. Sentado na poltrona de plantas, o velho ofereceu água. Durante os goles, escutou-o sobre a cabana, sobre os côcos e a rotina dos dias. Não se detinha, entretanto, pois era distraído pela delícia d'água doce gole a gole.

Você pode viver aqui, lhe disse meio convite, e o hóspede refestelou-se para terminar a distração com um soninho de horas! Mas para tal, prosseguiu rude e ignorante como devem ser todos há muito afastados das boas maneiras, para tal, dedo em riste, vai precisar trabalhar!

No seu redor, a cabana eram folhas de coqueiro escoradas em uma complexa armação de restos de navios, e as estacas eram adornadas com estranhos desenhos, e os móveis tinham um formato inédito, uma utilização inusitada. Se precisava subir bem alto nos coqueiros para arrancar seu fruto, o velho havia inventado um guindaste; se precisava arrancar a carne do côco, talhara uma concha afiada. Que mais pudemos fazer, pensava o recém chegado, senão esperarmos outro barco, outro naufrágio, outra ilha? 

E o velho respondia num tom sábio e antigo: podemos ser!, olha só como estou sendo! Pegou-o pelo braço inconsciente das assaduras e levou-o consigo para lhe mostrar algo escondido. Estou aqui já faz décadas!, ou acha que eu nunca pensei isso tudo que você está pensando? Fala-me o que está pensando, vamos ver se é diferente?

Mas ele estava era mudo. Emudecido. Caminhou resignado até às atrações do velho náufrago sem dar um pio. Viu e ouviu um tipo de poesia que ele imprimia nas pedras, com lascas de madeira e montinhos de areia sobre a terra atendo-se apenas ao tema - desvarios do exílio numa ilha deserta! Lamentos, glórias, desafios. Sou como o limo que dá nessas pedras, professava o velho, sobrevive ao mar, ao sal e ao sol. Sobrevive ao calor e ao frio. É, sem poder ser, sozinho num pequeno pedaço de terra que só dá côco, água da chuva e sementes, muitas sementes. Os peixes que davam aqui perceberam seu predador, foram nadar num mar vizinho. Desvarios que o novato sentia seus dali alguns anos, embora se apegasse à vontade de que algum navio vivo lhe salvasse.

De volta ao acampamento, o velho lhe ofereceu uma mistura de raizes. Vai lhe fazer bem, acredite no que eu lhe digo: é a sílfide, um entorpecente, que lhe faria entrar em contato com os espíritos da ilha. Eles existem, falou como se tivesse certeza. Aliás existem mais coisas aqui do que julga a sua vã consciência. Além dos espíritos, também tem os demônios, as criaturas da noite, os canibais do outro lado da ilha. Você não pode ir lá, mas de jeito nenhum! Aquele lugar sombrio, que lugar mais terrível. Dizem, mas nisso não tenho certeza, que lá também vivem dez indiazinhas, todas virgens, prontas para saciar essa que é maior nostalgia dos náufragos. Nisso não tenho certeza, ao esvasiar completamente seu olhar por alguns mil segundos.

E ele estava era mudo. Emudecido. Segurou a sílfide com uma das mãos e com a outra coçou a cabeça indeciso. É um entorpecente mesmo?, pensou até cheirá-lo e quase engasgar de vez. 

Findos os mil segundos, o velho pegou também a sua porção e prosseguiu o sermão com: É uma erva sagrada, rapaz!, sempre o foi. Linda e branca, dá debaixo do solo, escondida por entre as plantas ordinárias. Toma e aproveita que o portal é finito e logo se fecha. Leve a mistura à boca e deixe-a misturar-se com a sua saliva, deixe-a reagir com as suas enzimas, deixe-a transformar a química do seu corpo. É uma erva sagrada, rapaz!, repetiu.

Botaram a mistura na boca juntos e não foram necessários mil segundos para que o velho lhe participasse da sensação que a droga causava no corpo: na barriga, no sentir do vento, no sentir da água. Vem comigo!, gritou num sopetão, olha que maravilha é pular e cantar?, num giro, num agudo, numa cambalhota n'areia. Vem! Levante-se! E aí já estava debatendo-se nas ondas, estirando-se nas pedras, sorrindo e entristecendo numa ginástica abdominal aplicada.

Será que o estou sentindo também?, passou a mão na barriga. Será que se imitá-lo tresloucado poderei senti-lo?

Levantou-se e berrou bem alto como se tentasse sentir a garganta entorpecida no grito. Chamou primeiro um navio e depois, tal que se adequasse, aos espíritos que não iam na sua vã consciência, e quando o viu, o velho náufrago, desaparecer dentro da cabana, talvez uma reza, uma conversa em privado, viu-se cara-a-cara com sua própria loucura. Vou é procurar minhas virgens!, respirou portanto. Essa erva sagrada, vou te contar um negócio, nem um baratinho!