sexta-feira, 23 de março de 2007

Será Adeus?

Muito, muito, muito, mas muito estranho mesmo pensar que daqui a uma semana estarei no avião de volta pro Rio. Depois de quatro meses, de adaptações, novas amizades, momentos (e muitos) d'eu comigo mesmo, depois de explorações e experimentações a que só um forasteiro pode de se dar ao luxo... é chegada a hora de retornar ao mundo real. Será adeus? É uma questão.
 
Pra não perder tempo e não deixar de fazer todas as coisas que guardei para o fim da viagem, tenho inchado meus dias. De manhã cedo, acordo horas antes só para poder descer algumas estações antes do meu trabalho e ver um pouco mais essas ruas que daqui a pouco desaparecerão. Hudson St., Christopher St., Washington Square, 6th Avenue, Chelsea, Ladies Mile, Paradise Café, New York Sports Club, Cupcake Café...
 
Até minhas horas no trabalho não têm sido gastas apenas fazendo Capucccinos ou cupcakes. Tenho trocado uma idéia com os clientes e colegas, dado mais atenção as crianças (o café é anexo a uma loja de livros infantis) e, é claro, tenho provado de pouco a pouco todos os doces daquela loja. Vamos ver no que isso vai dar!
 
Ontem, depois do trabalho, fui assistir uma peça de teatro muito louca chamada "Wake Up Mr Sleepy! Your Unconsious Mind is Dead!" do Richard Foreman. Uma mistura de instalação, dança e uma porção de charadas sobre a consciência que me hipnotizaram. Um barato, literalmente. Eu estava sentado numa almofada no corredor (o assento mais baratinho) na primeira fila. E, bem, por algum motivo, todos os atores ficaram me olhando a peça inteira. Estavam vestidos de soldadinho, com um lenço no rosto e os olhos pintados de um vermelho vivo - calafrios. Fantástico! E ainda fiquei sabendo que o Richard Foreman dá um ciclo de palestras e apresentações por universidades de cinema de todo o mundo através de um projeto chamado Bridges. Estão procurando uma universidade na América Latina. Quem sabe?
 
Com tanta inspiração e intensidade, encontrei com a Juliana porque precisava tomar um drinque e porque ela estava com a Chrissy. Vocês acreditam que eu vou filmar um video-clip com ela??? Nem me amarro muito no som da bichinha, mas vai valer a pena voltar na casa dela e tentar captar aquilo com a câmera da minha querida Juana.
 
Eu e a Ju tratamos de extender essa noite até hoje de manhã e, graças, não tenho que trabalhar! Hoje acho que só saio de casa para o jantar que o pessoal do meu trabalho vai fazer para a minha despedida. Já falaram que vai ter sangria, coquito, vinho, cerveja e sabe-se mais o quê! Então, prenuncia-se mais uma bebedeira, embora o fígado implore pelo contrário.
 
E agora, vou tratar de passar os meus últimos dias com o coração aberto. Acho que está mesmo na hora de voltar e retomar o rumo das coisas - acabar a faculdade, iniciar a minha carreira e retonar ao contato diário de tantas pessoas cuja importância têm sido provada em cada um dos meus dias por aqui. Saudades da mamãe ;). Pela primeira vez na vida, estou finalizando uma viagem dessas com uma serenidaaaaaade. Sem sofrimentos daqueles de arruinar os dias.
 
Vou tratar de comprar uma câmera descartável hoje para documentar isso um pouco, porque não sei se já perceberam mas fotos que são boas, estão em falta. Vou botar umas fotos da peça que eu fui ontem pra dar uma mudada nesse display de fotos do blog - nem eu mais aguento ver essas minhas caras!
 
Um grande abraço e até semana que vem!
 
ps. Não é bem uma despedida do blog - de repente acontece algo de extraordinário e, aí, eu volto.

sexta-feira, 2 de março de 2007

Uma Visita à Chrissy Dodgers

Ao entrar no apartamento de Chrissy Dodgers naquela noite de terça, um fortíssimo cheiro de jalapeño, chilli e nachos tomava conta do espaço. Quatro gatos e dois cachorros gêmeos ocupavam todos os assentos e seus pêlos deixavam meu nariz vermelho só de pensar.
 
Bem, não todos os assentos. A mãe de Chrissy, indiferente à nossa chegada, estava pousada numa almofada do sofá que, por estar mais baixa que as outras, denunciava sua permanência estendida por ali. Chrissy e seu sorriso fabuloso, incapaz de ser captado por qualquer foto que eu já tinha visto, insistia para que nos sentíssimos à vontade, enquanto equilibrava garrafinhas de Corona Lights, um cigarrinho daqueles e espanava os gatos do sofá imundo. "É uma noite mexicana" anunciava "Kevin está cozinhando pra gente".
 
Chrissy é cantora. Seus shows acontecem muito raramente, sua voz não é lá essas coisas, as letras de suas músicas falam de anjos masculinos e outras besteiras recheadas de puro cliché. Pergunto se ela conhece uma dúzia de cantoras favoritas e, não, ela não parece estar muito informada da cena musical de NYC. Entretanto, é cantora. Não perde a oportunidade de empunhar sua guitarra e mostrar um pouco do seu trabalho. Tem um sorriso fabuloso. Pequenina, veste-se com estilo e bonézinhos charmosos.
 
Kevin não é seu namorado. E se fosse, talvez minhas esperanças pela carreira de Chrissy diminuissem mais ainda. Tem seu encantostreetwear, mas quando abre um sorriso, além dos olhos baixos e vermelhos, percebo que seus dentes são cáqui escuro, acavalados, sinuosos, atrapalhados. Kevin é uma figura simpática e silenciosa, que só responde aos impulsos de terceiros, mas não chega a emitir sinal algum.
 
Quando Chrissy começa a cantarolar sobre seus anjos masculinos, os olhos da mãe continuam vidrados na televisão sem som. O programa é uma espécie de "Plantão Médico" da vida real, com tripas, pernas estraçalhadas e tudo mais. Ela ainda não disse nada, o que causa um pequeno desconforto na gente, afinal é a dona da casa - a chefe da família. Parece ter acordado de manhã, carregado o rosto de um pancakedaqueles, sublinhado os lábios finos com um batom sei lá de que cor e ter se estabelecido no sofá, mesmerizada pelos terrores da vida segundo a TV americana.
 
Chrissy termina sua canção passando os dedos pelas cordas do violão e abrindo aquele sorriso de sempre. Batemos palmas, nós e Kevin. Em seguida, acendemos nossos cigarros e um cigarrinho daqueles. Educada e concerned, Chrissy nos oferece um comprimido de Claritin - de um dos muitos frascos de remédio que estão ali, disponíveis num criado mudo - mas eu prefiro não adicionar o antialérgico ao coquetel.
 
Conversa vai, conversa vem, algumas realidades daquela família começam a ser desveladas com uma naturalidade chocante: "A mamãe não parece, mas é uma mulher forte!" sorri Chrissy com seu bom humor habitual "O último namorado dava tanto soco na cara dela e ela nem caía nem nada. Podia ser uma boxeur". A mãe abre um sorrisinho, será de orgulho?, que interrompe seu transe. O contrangimento fica só do nosso lado. "Quase foi esfaqueada por ele, mas isso..." é interrompida pela protagonista da história. "Acho que isso ia acabar me derrubando".
 
"Kevin quase foi esfaqueado também" Chrissy diz em tom confessional. Depois eu ficaria sabendo que Kevin é um viciado em heroína emrehab. Está limpo [sic] há três anos e sua apatia vem de um dos vários medicamentos.
 
Os nachos estão prontos e, bem, estamos todos famintos. Começo a falar um pouco sobre o Brasil, sobre as pessoas normais e brilhantes e batalhadoras da nossa terra. Não sei se o faço por eles, pelo bem da nossa conversa ou por mim mesmo - que depois de cervejas, cigarrinhos daqueles e com imagens de facas, socos, drogas pesadas e carreiras de pouco sucesso já estou enveredando por uma badtrip. E o calor de casa é revigorante. A sensação de estar no meio de uma gente tão estranha já não me parece ruim - são personagens, são inspirações. Desde que o samba é samba, é assim.
 
Despedimo-nos de Chrissy e de sua família. Saímos cheios de curiosidade pelo metrô de Nova York - provavelmente o espaço mais fabuloso em que estive no mundo, sociologicamente falando. Quero ir mais na casa dessa gente toda: enxergar de perto as suas loucuras, chafurdar suas histórias escabrosas e, ainda assim, porque sou um sujeito perseverante, me encantar com sorrisos tão incríveis e misteriosos como os de Chrissy e Kevin.