Começa por tentar decifrar o rosto dela, portanto começa, o que já é um avanço. Explica que está pensando num desenho, uma nova obra de arte, nos seus olhos fundos e dramáticos, no nariz que começa aqui e termina ali, de forma tão poética, para definir os parâmetros da boca - um blá-blá-blá que seria interpretado de cínico pelos entendidos de arte; mas que, para nós, pobres mortais interessados no amor e na fagulha de uma frase dessas, não tem nada de cinismo.
E olha... "Fica parada, Macabéia!"; "Olha pra baixo, olha pra cima"; "Vem vindo, pára aqui na minha frente"; "Encosta sua mão no meu peito"; "Tudo pela perspectiva, querida".
Seu avô já lhe dissera, é melhor assim. Que os romances comecem numa mentira poética, e não numa virilidade cruel ou numa mentira cretina. E poética se repetia desde então, pois dizia até para o vendedor de bicicletas que buscava o ar num movimento diferente e não um de casa pro trabalho mais ligeiro.
"Quero ver o resultado!", ela diz embevecida, o que já é um encontro; "Quero que você, depois, me diga", o que já é uma deixa; e sai espiralando a bunda, pois "quem sabe ele me pinta inteira?". Portanto, uma expectativa.
"De um encontro bobinho, meu deus! De uma besteira e já temos tanto!", se vangloria. Tudo pela perspectiva! E se embrenha na folha, no traço, vai se afeiçoando, tratando-o com carinho, desenhando a lembrança, que é mais bonita que a cara, e fazendo-a mais bonita ainda. Uma mentira poética, mais uma vez, mais uma vez.
Diante do resultado, colorido, desconstruído, sombreado, editado, trata-se de um trompe l'oeuil de sentimento e tempo. Uma elipse até o determinado encontro e, pronto!, fiat lux!, risca-se o fósforo e luz!
"Quero ver o resultado!", diz ele um pouco desconfiado. E, dessa vez, a mão dela vem sem mais delongas.
segunda-feira, 23 de junho de 2008
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Um comentário:
manolo, seu canalhinha!
(tudo pela perspectiva)
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