segunda-feira, 23 de junho de 2008

Trompe l'Oeuil

Começa por tentar decifrar o rosto dela, portanto começa, o que já é um avanço. Explica que está pensando num desenho, uma nova obra de arte, nos seus olhos fundos e dramáticos, no nariz que começa aqui e termina ali, de forma tão poética, para definir os parâmetros da boca - um blá-blá-blá que seria interpretado de cínico pelos entendidos de arte; mas que, para nós, pobres mortais interessados no amor e na fagulha de uma frase dessas, não tem nada de cinismo.

E olha... "Fica parada, Macabéia!"; "Olha pra baixo, olha pra cima"; "Vem vindo, pára aqui na minha frente"; "Encosta sua mão no meu peito"; "Tudo pela perspectiva, querida".

Seu avô já lhe dissera, é melhor assim. Que os romances comecem numa mentira poética, e não numa virilidade cruel ou numa mentira cretina. E poética se repetia desde então, pois dizia até para o vendedor de bicicletas que buscava o ar num movimento diferente e não um de casa pro trabalho mais ligeiro.

"Quero ver o resultado!", ela diz embevecida, o que já é um encontro; "Quero que você, depois, me diga", o que já é uma deixa; e sai espiralando a bunda, pois "quem sabe ele me pinta inteira?". Portanto, uma expectativa.

"De um encontro bobinho, meu deus! De uma besteira e já temos tanto!", se vangloria. Tudo pela perspectiva! E se embrenha na folha, no traço, vai se afeiçoando, tratando-o com carinho, desenhando a lembrança, que é mais bonita que a cara, e fazendo-a mais bonita ainda. Uma mentira poética, mais uma vez, mais uma vez.

Diante do resultado, colorido, desconstruído, sombreado, editado, trata-se de um trompe l'oeuil de sentimento e tempo. Uma elipse até o determinado encontro e, pronto!, fiat lux!, risca-se o fósforo e luz!

"Quero ver o resultado!", diz ele um pouco desconfiado. E, dessa vez, a mão dela vem sem mais delongas.

Um comentário:

andré mielnik disse...

manolo, seu canalhinha!
(tudo pela perspectiva)